7.12.12

Do Berço ao Divã do Terapeuta


Terapeutas tratam bebês – mas os principais pacientes acabam sendo os pais.
  
As preocupações de um bebê podem ser resumidas a uns poucos itens: dormir, comer, brincar. Se é assim, como se explica a presença de tantas crianças de fraldas nos consultórios de terapeutas? A resposta: estão lá para ajudar a melhorar a cabeça dos pais. 


A terapia de crianças de zero a 3 anos é uma vertente relativamente nova – e está em rápido crescimento. Uma das razões é o aumento do conhecimento especializado sobre os problemas psicológicos da primeira infância. 

A última edição do manual adotado como referência na terapia de bebês traz o acréscimo de dois novos tipos de depressão, cinco de distúrbio de ansiedade e seis formas de desvio alimentar (incluindo uma variação da anorexia). "Quando surgem problemas, a terapia é de grande utilidade, pois passos fundamentais do desenvolvimento do cérebro ocorrem nos primeiros anos de vida", disse a VEJA a psiquiatra finlandesa Tuula Tamminen, presidente da Associação Mundial para a Saúde Mental da Infância, com sede nos Estados Unidos e afiliados em cinqüenta países (o dobro de dez anos atrás). A filial brasileira tem associados em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Salvador, Belo Horizonte e São José do Rio Preto. 

Algumas adaptações são necessárias nas sessões de terapia nas quais o paciente tem menos de 4 anos. É preciso haver brinquedos e uma mesa para trocar fraldas. A criança é atendida na presença do pai ou da mãe – ou, talvez seja melhor dizer, os pais são tratados na presença da criança. Em lugar das longas conversas com o paciente, nesse caso impossíveis, o terapeuta observa como os pais lidam com o filho para tentar descobrir a origem dos problemas. Não tenta ensiná-los a lidar com a criança, mas cria situações – brincando com o bebê, por exemplo – que permitam a eles entender onde estão falhando. "Os pais geralmente chegam se queixando do bebê, mas com o tempo vemos que a raiz do problema está na relação entre eles". Pais briguentos, por exemplo, podem deixar os bebês ansiosos, com dificuldade para dormir e comer. 

Kamilly, hoje com 1 ano: ela começou a terapia aos 6 meses Gabriel, filho da professora paulista Leila Fernandes, foi levado a uma clínica de psicoterapia aos 11 meses. Não conseguia sentar sozinho, habilidade normalmente adquirida no sexto mês de vida. Como os exames neurológicos e fisiológicos não detectavam a origem do problema, surgiu a suspeita de uma causa psicológica. Nas primeiras sessões, o menino mantinha o olhar fixo no ventilador da sala, enquanto a mãe conversava com a terapeuta. "Eu estava preocupada demais com a doença de minha mãe e quase não dava atenção a ele", diz Leila. "Foi depois das sessões que passei a abraçá-lo, beijá-lo e a dizer que o amava." 

O carinho fez bem a Gabriel, que, atualmente com 3 anos e meio, é um garoto esperto e saudável. "Os bebês demonstram no comportamento o tipo de atenção que recebem da mãe ou do pai", diz a terapeuta Eloisa Lacerda, coordenadora do Núcleo Interdisciplinar do Bebê (NIBb), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Muitos dos problemas psicológicos dos bebês estão relacionados a mães depressivas. Essa condição mental se manifesta de várias formas na maternidade. Algumas mães depressivas se dedicam pouco aos filhos. Outras fazem exatamente o contrário e se tornam possessivas ao extremo. O excesso ou a falta de atenção costumam provocar sintomas bem conhecidos nos bebês: recusa a comer, auto-isolamento ou insônia. "Eu tinha medo de que algo ruim acontecesse com minha filha e não me desgrudava dela", diz a paulistana Marli Santos de Andrade, de 31 anos. Quando levou a filha Kamilly, de 6 meses, à terapeuta, o bebê nem sequer controlava os movimentos da cabeça, um atraso de mais de dois meses no desenvolvimento motor. 

A conclusão da terapeuta foi a de que o bebê se tornara apático como recurso para escapar aos cuidados excessivos da mãe. Quando Marli mudou de comportamento, a filha recuperou rapidamente o tempo perdido. "Nós curamos os bebês através dos pais", diz o psiquiatra Salvador Célia, de Porto Alegre. 

A maior dúvida dos pais é quando levar um bebê ao consultório de terapia. Pais ansiosos podem exagerar e, diante de uma mudança mínima na atitude do bebê, acreditar que o filho tem problemas sérios. Em caso de dúvida, a pediatra e psicoterapeuta Veronica Cavalcante, presidente do departamento de saúde mental da Sociedade Brasileira de Pediatria, aconselha bom senso. "Quando ocorre um atraso no desenvolvimento dos bebês, os pais devem sempre procurar um pediatra", diz Veronica. "É esse profissional quem pode indicar um neurologista, um psiquiatra ou uma terapeuta." 

Revista Veja/2006

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