13.1.10

Criando vínculo com o bebê


Gestando uma nova relação: Somos mergulhados desde que nascemos em uma rede de relações que ajuda a nos situar e a nos reconhecer quem somos. Nossas primeiras relações são com nossos pais e irmãos, depois com avós, primos e tios, para mais adiante estendê-las para professora da escola, amigos, chefes, namorados...

E desta forma esta rede vai crescendo e complexificando o que vai fazendo com que cada vez mais nos posicionemos no mundo no qual vivemos. Estas redes são organizadoras das nossas vidas desde que nascemos.

Em um primeiro momento, ela é vital para que o bebê sobreviva, pois, ao nascer, o bebê apresenta uma imaturidade biológica que impõe a necessidade de um outro cuidador para sua sobrevivência, diferente dos outros animais. Esta é uma característica singular da nossa condição de humanos.

Neste primeiro momento, aquele que cuida é tudo para este bebê, fazendo com que esta relação que se inicia seja motivo de especial atenção tanto para as mães quanto para os bebês. Para a mulher que dá a luz, o bebê vai inseri-la em uma nova posição, a de mãe. Para o bebê que nasce, a mãe vai inaugurar seu lugar no mundo. Assim, esta relação tem importância especial na vida de qualquer indivíduo.

Considerando tudo isso, seria interessante nos perguntarmos quando um filho começa a existir para uma mãe dentro desta relação. Este seria um bom começo para pensarmos este tema. Cada mulher poderia fazer esses exercício e pensar quando seu filho começou a existir para si como mãe... Provavelmente teríamos muitas respostas diferentes e interessantes.

Gostaria de focar aqui neste texto, um momento específico no qual uma imagem de filho começar a se configurar para mulher, ainda que esta (imagem) não tenha nada de parecido com seu futuro filho. Este momento é o do desejo por um filho, pois é quando acontece um primeiro investimento afetivo em direção a esta idéia de filho e de mãe. Alguns ideais começam a existir, assim como alguns afetos também. Esta é a semente de uma relação que começa antes do filho nascer, ou até mesmo antes de ser gerado.

Desde o início da gravidez até o parto esta relação vai se transformando, tendo a cada novo estágio novos elementos da realidade que poderão influenciar ou não, no desenrolar desta ligação entre mãe e filho.

Quando da concepção, dependendo da forma como ela tenha acontecido, a mulher já começa a imprimir algumas tonalidades afetivas para este vínculo que está sendo construído. Este bebê já começa a ser falado pela mãe, pelo pai, pelos avós e, portanto, passa a existir para a família com todas as características que lhe são atribuídas. “Que bebê difícil!!”, “É um vencedor!!”, “ Que frágil!!”. Todas estas qualificações vão dando um primeiro lugar para este bebê no mundo.

Com o decorrer da gestação, novas informações sobre o embrião-feto vão confirmando ou modificando as características dessa imagem de filho que começa a se estabelecer. O ultra-som traz muitos novos elementos para constituir esta imagem. “Nossa que bebê cabeçudo!”, “Como bate rápido o coração!”, “O pé é igualzinho ao do pai”.

Este bebê então, começa a surgir agora como uma ‘pessoinha’ parecida ou diferente de alguém da família, fazendo com esta imagem de filho vá sendo mais delineada, assim como a imagem de mãe. Isto porque nesse momento, a grávida começa a ter que se reconhecer como mãe de um bebê cabeçudo, por exemplo.

E como será isso para ela? Que tipo de fantasias e afetos são despertados? Que histórias familiares são lembradas? E assim, mergulhada nesta rede de pensamentos, a mulher começa a viver acréscimo de afetos e associações que vão dando corpo para sua relação com seu filho.

Desta forma, o ultra-som, a confecção do enxoval, a decoração do quarto, assim como a escolha do nome, podem ser consideradas como situações que contribuem para intensificar o investimento afetivo da mãe em direção ao seu filho.

A escolha do nome é um importante passo na direção do lugar que o filho passa a ter na vida da mãe, do pai e do casal. Um ideal de filho começa a ser criado e negociado entre os pais. A decisão por um determinado nome geralmente, carregará uma história de conversa entre os pais, que muitas vezes acaba virando parte de um folclore familiar.

Se um casal escolhe um nome por achá-lo forte ou de presença ao ser pronunciado, já podemos imaginar o desejo por um filho com estas características. Assim, não seria estranho se estes mesmos pais diante de um intenso choro do filho ao nascer, interpretassem este choro como sinal de força e de personalidade. O que para outros pais poderia significar, por exemplo, um bebê chorão, se o desejo fosse por um filho muito tranqüilo.

Todos estes exemplos são para dizer que o olhar de quem cuida vai delineando um filho de acordo com seu desejo e a interpretação das características deste filho vai sofrer a influência desse desejo e do estilo próprio de ser daqueles que cuidam dele. A imagem do filho passa pelo filtro dos ‘óculos’ que os pais usam para verem a si mesmos e o mundo.

Quando o bebê nasce surge um novo desafio que é o confronto do bebê sonhado com o bebê concreto que se encontra nos braços da mãe para ser amamentado, para ser banhado, ou mesmo para ser ninado. E aí então, novos elementos surgem, carregando novos afetos para mãe, fazendo-se necessário um rearranjo naquela relação que começava a se estabelecer com este bebê. “Como ele é lindo!”, “Ele não tem fome, não suga”, “Que carequinha, como eu quando eu nasci”.

Desta forma, este filho continua sendo falado, reconhecido e desejado, mas de um novo jeito, o que vai definir ainda mais o lugar que ele vai ter na vida dessa nova mãe. Este rearranjo nem sempre é fácil, pois para ele se faz necessário uma negociação dos pais com o ideal de filho-bebê que tinham até então. Só assim, será possível abrir espaço para uma nova imagem de filho, mais distante da ideal, mas mais rica de elementos novos de vivacidade desse bebê, tais como o chorar, o sono e a fome.

Assim, a recém-mãe e os familiares passam a ter outros novos elementos para rechear ainda mais essa relação, reconhecendo características em seu filho que ora vão gostar de mais, ora menos e muitas vezes, vão até detestar. E este é todo o jogo afetivo fundamental para criação desses lugares de mãe e filho.

Esta relação vai sendo constituída com a carga das características pessoais da mãe (pai) no encontro com seu filho a cada nova situação que vão vivendo juntos. Não termina nunca, não está fechada, nem pronta. Mas sempre em transformação.



Raquel Gonçalves Ribeiro Foresti
Psicóloga Clínica
Mestre em Saúde Mental - UNIFESP
CRP/06 48349-


Fonte: http://sergestante.com/
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário