20.5.15

Amamentar, por Laura Gutman



AMAMENTAR: UM ATO DE AMOR


Todas as mães, absolutamente todas, podem amamentar sues filhos.
Em vez de falar de técnicas, horários, posições e mamilos, vamos falar de amor.
Amamentar nosso filho será simples se nos dermos conta de que é semelhante a fazer amor: no princípio precisamos nos conhecer. E isso se consegue melhor estando sozinhos, sem pressa.

Quando fazemos amor com o homem que amamos não nos importamos com o tempo , nem se o coito dura mais ou menos que 15 minutos, se ficamos mais em um lado da cama ou no outro, se estamos por cima ou por baixo. Não nos importa se amamos várias vezes em uma hora ou se dormimos esgotados e abraçados um dia inteiro. Não há objetivos, salvo o de nos amarmos.

Quando o bebê nasce, o reflexo de sucção é muito intenso. Como as palavras indicam, ele age sob o reflexo de procurar, encontrar e sugar o leite materno. Para isso, só é preciso que o bebê fique perto do peito. Muito tempo. Todo o tempo. Porque o estímulo é o corpo da mãe, o cheiro, o tom, o ritmo cardíaco, o calor, a voz, enfim, tudo que ele conhece.

Como nas relações amorosas - e trata-se disso -, precisamos de tempo e privacidade. As mulheres precisam entrar em comunicação com o homem para aceitar o ato sexual. Não há diferença no ato de amamentar. O bebê precisa estar informado para sentir o contato e poder sugar, e as mulheres, para produzir leite e gerar amor. Simples assim.
Se recordarmos que o leite materno não é apenas alimento, mas, sobretudo, amor, comunicação, apoio, presença, abrigo, calor, palavra, sentido, acharemos absurdo negar o peito porque "não precisa", "já comeu" ou "é manha". Então, é manha quando precisamos de um abraço prolongado do homem que amamos?

Só o distanciamento de nossa essência nos leva a pensamentos tão violentos em relação a nós mesmas e a nossos bebês.

O ENCONTRO COM SEU EU

Quando as mulheres reafirmar sua relação com a natureza selvagem, adquirem conhecimento, visão, inspiração, intuição, e a própria vida vibra por dentro e por fora. Não digo selvagem no sentido moderno, pejorativo, que quer dizer desprovido de controle, mas no original, que significa viver uma existência natural, em que a criatura se desenvolve com sua integridade inata e saudável.

Esta qualidade faz parte da natureza instintiva e fundamental das mulheres. E é o conhecimento dessa natureza que lhes permite perceber o som dos ritmos internos e viver ao som deles par não perder o equilíbrio espiritual. Quando as mulheres se afastam da fonte básica, perdem os instintos, e os ciclos vitais naturais ficam submetidos à cultura, ao intelecto ou ao ego, seja o próprio ou o dos demais. O selvagem torna todas as mulheres saudáveis. Sem o lado selvagem, a psicologia feminina fica desprovida de sentido.

As melhores oportunidades para que cada mulher se conecte com os aspectos mais naturais, animais e selvagens de seu ser essencial são o parto e a lactância. É claro que muitas poucas o conseguem, porque homens e mulheres, aterrorizados por esses aspectos animais, fazem o possível para que eles não interfiram em sua maneira de ser. Gostaríamos de parir só com a cabeça, sem integrar nossas regiões baixas.

Talvez seja por isso que todos ficam mais tranquilos com as cesarianas: o nascimento ocorre em um lugar mais elevado, mais limpo e decoroso.

A lactação é a continuação e o desenvolvimento de nossos aspectos mais terrenos, selvagens, diretos, filogenéticos. Para dar de mamar, as mulheres deveriam passar quase todo o tempo nuas, sem largar sua cria, imersas em um tempo fora do tempo, sem intelecto nem elaboração de pensamentos, sem a necessidade de se defender de nada nem de ninguém, mas tão somente abstraídas em um espaço imaginário e invisível aos demais. Dar de mamar é isso. É deixar aflorar nossos recantos ancestralmente esquecidos ou negados, nossos instintos animais que imaginemos que estavam aninhados em nosso âmago. É deixar-se levar pela surpresa de nos vermos lambendo nossos bebês, de cheirar o frescor de seu sangue, de lanças de um corpo a outro, de se converter em corpo e fluidos dançantes.

Dar de mamar é se despojar das mentiras que nos contamos durante toda a vida sobre quem somos ou quem deveríamos ser. É estarmos soltas, poderosas, famintas, como lobas, leoas, tigresas, cangurus, ou gatas. Muito semelhantes às mamíferas de outras espécies em seu total apego pelas crias, ignorando o resto da comunidade, mas atentas milimetricamente, às necessidades do recém-nascido.

Extasiadas diante do milagre, tentando reconhecer que fomos nós mesmas que o tornamos possível, e nos reencontrando com o que é sublime, É uma experiência mística se nos permitirmos que assim seja.

Isto é tudo de que se necessita para poder amamentar um filho. Nem métodos, nem horários, nem conselhos, nem relógios, nem cursos. Apenas apoio, proteção e confiança em ser você mesma mais do que nunca. Apenas permissão para ser o que queremos, fazer o que queremos e nos deixar levar pela loucura do selvagem.

Isto é possível quando se compreende que esse profundo vínculo com a mãe terra faz parte da psicologia feminina, que a união com a natureza é intrínseca ao ser essencial da mulher e que, quando este aspecto não se manifesta, simplesmente não flui. as mulheres não são muito diferentes dos rios, dos vulcões ou dos bosques. Só é necessário preservá-los dos ataques.

As mulheres que desejam amamentar têm o desafio de não se distanciar de forma desmedida de seus instintos selvagens. Costumam raciocinar, ler livros de puericultura, e assim, entre tantos conselhos supostamente "profissionais", acabam perdendo o eixo. Há uma idéia que atravessa e desativa a animalidade da lactação: a insistência para que a mãe se afaste do corpo do bebê. Ao contrário do que se supõe, a mãe deveria carregar o bebê durante todo o tempo, inclusive e principalmente enquanto dorme. A separação física a que nos submetemos como díade entorpece a fluidez da lactância. Os bebês ocidentais passam muitas horas dormindo no moisés, no carrinho ou em seus berços. Esta conduta é, simplesmente, um atentado à lactância. Porque amamentar é uma atividade corporal e energética constante. É como um rio que não pode parar de fluir: se as pedras são muito numerosas, desviam seu caudal.

A maioria das mães que me consultam por dificuldades na lactação está preocupada em saber como fazer as coisas corretamente, em vez de procurar o silêncio interior, as raízes profundas, os vestígios de feminilidade e o apoio do homem, da família ou da comunidade que favoreçam o encontro com sua essência pessoal.

Por isso, durante as consultas, quando vejo que as mães ficaram reconfortadas ao ouvir palavras simples de incentivo e ao receber muita atenção, sinto-me em condições de lhes pedir que não deixem o bebê e o conservem em seus braços. Em instantes, as tensões da mãe e da criança desaparecem e o leite passa a fluir. O bebê adormece. Nesse momento, costumo pedir às mães que não o afastem, que o mantenham nos braços, e lhes digo que a criança está só aparentemente adormecida, pois continua bebendo de sua energia, de sua aura,de seu corpo. Se a depositam longe do corpo materno, a alimentação é cortada.

A preocupação com os horários é a maior adversária do leite materno que conheço. As famosas três horas ainda recomendadas entre as mamadas são fruto da ignorância e da falta de respeito pelos ritmos internos da espécie humanas. São cansativas e acabam sendo confusas para as mães, que tentam não se equivocar durante a criação de seus filhos pequenos.

O mundo ocidental está cheio de "opinólogos" diplomados que sufocam a essência feminina e seus esforços para se revelar por meio de um fato tão mágico e simples como é o do leite que jorra dos seios de uma mulher.

Outra adversária do leite é a absurda idéia de que o bebê vai ficar "mal acostumado". Qualquer outra espécie de mamífero morreria de rir (e também morreria) se aquilo que o recém-nascido reclama para sua subsistência lhe fosse negado. Os seres humanos são muito menos inteligentes do que acreditam quando pretendem negar as leis da natureza, complicando a existência.

Amamentar nossos bebês é ecológico no sentido mais amplo da palavra. É voltar a ser o que somos. É nossa salvação. É um ponto de partida e de encontro com o seu eu. É nos despojarmos de cultura e engasgarmos com a natureza.É levar nossas crianças a penetrar um mundo de cores, ritmos, sangue e fogo e dançar com elas a dança da vida.
Para conseguir isso, é indispensável procurar proteção, estando sempre centradas na sabedoria poderosa e natural de nosso coração.

(Laura Gutman, em "A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra")


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